quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O serviço dos pobres acima de tudo

Não temos de avaliar os pobres por suas roupas e aspecto, nem pelos dotes de espírito que pareçam ter. Com frequência são ignorantes e curtos de inteligência. Mas muito pelo contrário, se considerardes os pobres à luz da fé, então percebereis que estão no lugar do Filho de Deus que escolheu ser pobre. De fato, em seu sofrimento, embora quase perdesse a aparência humana - loucura para os gentios, escândalo para os judeus - apresentou-se, no entanto, como evangelizador dos pobres: Enviou-me para evangelizar os pobres (Lc 4,18). Devemos ter os mesmos sentimentos de Cristo e imitar aquilo que ele fez: ter cuidado pelos indigentes, consolá-los, auxiliá-los, dar-lhes valor.
Com efeito, Cristo quis nascer pobre, escolheu pobres para seus discípulos, fez-se servo dos pobres e de tal forma quis participar da condição deles, que declarou ser feito ou dito a ele mesmo tudo quanto de bom ou de mau se fizesse ou dissesse aos pobres. Deus ama os pobres, também ama aqueles que os amam. Quando alguém tem um amigo, inclui na mesma estima aqueles que demonstraram amizade ou prestam obséquio ao amigo. Por isso esperamos que, graças aos pobres, sejamos amados por Deus. Visitando-os, pois, esforcemo-nos por entender os pobres e os indigentes e, compadecendo-nos deles, cheguemos ao ponto de poder dizer com o Apóstolo: Fiz-me tudo para todos (1Cor 9,22). POr este motivo, se é nossa intenção termos o coração sensível às necessidades e misérias do próximo, supliquemos a Deus que derrame em nós o sentimento de misericórdia e de compaixão, cumulando com ele nossos corações e guardando-os repletos.
Deve-se preferir o serviço dos pobres a tudo o mais e prestá-lo sem demora. Se na hora da oração for necessário dar remédios ou auxílio a algum pobre, ide tranquilos, oferecendo esta ação a Deus como se estivésseis em oração. Não vos pertubeis com angústia ou medo de estar pecando por causa do abandono da oração em favor do serviço aos pobres. Deus não é desprezado, se por causa de Deus dele nos afastarmos, quer dizer, interrompermos a obra de Deus para realizá-la de outro modo.
Portanto, ao abandonardes a oração, a fim de socorrer a algum pobre, isto  mesmo vos lembrará que o serviço é prestado a Deus. Pois a caridade é maior do que quaisquer regras que, além do mais, devem todas tender a ela. E como a caridade é uam grande dama, faz-se necessário cumprir o que ordena. Por conseguinte, prestemos com renovado ardor nosso serviço aos pobres; de modo particular aos abandonados, indo mesmo à procura, pois nos foram dados como senhores e protetores.

Dos Escritos de São Vicente de Paulo, presbítero (século XVII)
São Vicente de Paulo fundou a Congregação da Missão (Lazaristas), destianda à formaçã do clero e
ao serviço aos pobres. Instituiu também a Congregação das Filhas da Caridade. Morreu em Paris, 27 de Setembro de 1660.

Extraído do blog "Tesouros da Igreja Católica", de Miguel Fornari, que contém textos escritos ao longo dos séculos por santos e mártires, que formam um verdadeiro tesouro da Igreja Católica.
Acompanho o blog, leio os posts diariamente e recomendo a todos os irmãos.
Obrigado, Miguel Fornari, por tão valiosa contribuição.
Disponível em http://tesourosdaigrejacatolica.blogspot.com/2011/09/o-servico-dos-pobres-acima-de-tudo.html

Balanço Geral (Pe Zezinho)

Imagine que sua vida seja tão interessante ou mais interessante que a minha. Quero crer que seus relacionamentos sejam até melhores do que os meus. Mas chego aos 68anos de idade e a mais de 45 anos lidando diretamente com as pessoas, todo tipo de pessoa.
Num balanço geral desses relacionamentos, conheci de tudo, aqui e no exterior. Deram-me chances e oportunidades, puxaram meu tapete, cederam o seu lugar, tomaram o meu lugar, ajudaram-me, roubaram de mim, elogiaram-me, defenderam-me, caluniaram-me, tentaram me destruir, tentaram me salvar, permaneceram fiéis, traíram, prometeram e cumpriram, prometeram e não cumpriram. Intencionalmente tentaram me ferir, tentaram me curar as feridas, oraram por mim, oraram contra mim, contaram verdades, inventaram inverdades, quiseram me ouvir, não quiseram me ouvir, gritaram aos meus ouvidos, falaram com serenidade, estenderam-me a mão, negaram-me a mão.
Conheci de tudo e, em todos os casos, Deus me deu a graça de entender que o outro era quem era. As pessoas não nos amam do jeito que gostamos, mas do jeito que elas sabem amar. As que sabem amar melhor do que nós nos enriquecem. As que amam menos do que nós, às vezes nos ferem, porque são quem são, e não adianta querer mudá-las por palavras firmes, fortes, violentas ou por decreto. Na maioria dos casos, quando fui ferido, fiquei quieto, deixei que os fatos tomassem a sua devida dimensão.
Não sou Deus, não quero brincar de Deus e levo muito a sério Mateus 7,1-2. Não posso julgar quem me julga, ferir quem me fere, puxar o tapete de quem puxa o meu, nem devolver com violência as agressões que recebo. Posso apenas avisar que vou reagir e que não me deixarei encurralar. Mas devo, como cristão, responder sempre com menor grau de violência do que com aquele grau de que sou vítima.

O meu lugar – Enfim, responder sim, mas não com a mesma violência, defender-me sim. Mas, se não for possível, oro e coloco a pessoa nas mãos de Deus. Já pus muitos que pretendiam me destruir nas mãos de Irmãs Carmelitas, e pedi que orassem por essas pessoas feridas, magoadas e com ódio. Em geral, deu tudo certo, porque o amor – e eu acredito firmemente nessa verdade – o amor liberta. Liberta a vítima e o algoz. Levo muito a sério a frase de Jesus: “Perdoai-os, eles não sabem o que fazem”. Espero que eu saiba.
Num balanço geral, diria que mais perdi do que venci. Em alguns momentos da minha jornada venci, em outros perdi. Feitos os cômputos, acho que sou um vencedor. Soube perder quando perdi, soube vencer quando venci. Continuo querendo não ser o primeiro, nem o maior, nem o melhor. Quero apenas o meu lugar. E, se alguém o quiser, eu o entrego de boa vontade, até porque este alguém não vai saber o que fazer co ele, já não é lugar dele. E eu também não saberia o que fazer com o lugar que não é meu.
Tenho orado a Deus para que me dê a graça de saber a minha dimensão e o meu lugar. Não há nada mais bonito nem mais feliz. Eu sou eu no meio de outros que também são eles mesmos.

José Fernandes de Oliveira, scj (Padre Zezinho) pertence à Congregação do Sagrado Coração de Jesus, é escritor, compositor, cantor e dedica-se à Pastoral da Comunicação.
Revista Família Cristã – Setembro de 2010

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Onde Há Deus, Há Futuro (Dom Murilo Krieger - Primaz do Brasil)

Onde há Deus, há futuro
Dom Murilo S.R. Krieger, Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil

Dias atrás, antes de deixar Roma para a terceira visita que faria a seu país natal – visita que termina hoje –, o Papa Bento XVI falou ao povo alemão pela televisão. Disse-lhe que o sentido de sua visita estava sintetizado no lema que nortearia seus encontros: “Onde há Deus, há futuro”. Em outras palavras: é necessário que Deus volte ao horizonte da vida de todos, já que, embora tenhamos necessidade dele, muitos o ignoram. Mesmo os que não o ignoram, por vezes se perguntam: Será que Deus existe realmente? E se existe, se ocupa realmente de nós? Podemos atingi-lo?

Há os que dizem que só acreditariam em Deus se pudessem encontrá-lo, tocá-lo e tomá-lo nas mãos como se pode fazer com qualquer objeto. “Temos que desenvolver de novo a capacidade de percepção de Deus, capacidade que existe em nós. Podemos intuir algo da grandeza de Deus na grandeza do cosmos.” Sim, “na grande racionalidade do mundo podemos intuir o espírito criador do qual esse espírito provém; na beleza da criação podemos intuir alguma coisa da beleza, da grandeza e da bondade de Deus. Na Palavra das Sagradas Escrituras podemos ouvir palavras de vida eterna, que não vêm simplesmente de homens, mas do Senhor”, afirmou Bento XVI.

Há um outro tipo de experiência de Deus que poderemos fazer: no encontro com pessoas que foram transformadas por Ele. Pensemos, por exemplo, no apóstolo Paulo ou em Francisco de Assis, em Madre Teresa de Calcutá, em Irmã Dulce ou em Irmã Lindalva. Podemos pensar igualmente em pessoas simples, desconhecidas do povo em geral e ignoradas pelos meios de comunicação social. Quando as encontramos, sentimos que delas nasce uma força que nos emociona, uma bondade que toca nosso coração, uma alegria que nos contagia. Temos certeza de que nelas Deus está presente. “Por isso, nestes dias desejamos empenhar-nos para tornar a ver Deus, para fazer com que nós mesmos sejamos pessoas através das quais entre no mundo a luz de esperança - luz que vem de Deus e que nos ajuda a viver” (Bento XVI).

Poderíamos pensar que a questão do ateísmo não seja um problema nosso, brasileiro, ao menos a ponto de nos preocupar. Ledo engano. A Fundação Getúlio Vargas apresentou, semanas atrás, um mapa das religiões aqui no Brasil, destacando que cresceu entre nós o número de ateus: atualmente, são 6,7% da população. Não é uma cifra desprezível: tendo nosso pais 190 milhões de habitantes, o número de ateus deve girar, pois, em torno de treze milhões de pessoas.

Saramago, famoso escritor português, prêmio Nobel de Literatura, falecido há pouco mais de um ano, declarava-se ateu. Dada a sua fama, era frequentemente entrevistado sobre isso. Numa dessas entrevistas, observou que “ Bento XVI jamais viu Deus e nunca se sentou para tomar um café com ele”. Se tivesse me conhecido (e haveria razão para isso?...), o mesmo ele poderia ter dito de mim. Sou cristão desde o nascimento; trabalho na Igreja desde criança e também nunca vi Deus. No entanto, alegro-me em poder servi-lo. Não que ele precise de mim; eu é que me realizo colocando minha vida a serviço do Evangelho de Seu Filho.

Um Evangelho que nada tem em comum com aquele que o próprio Saramago escreveu, no começo da década de noventa. Identifico-me com a definição que o apóstolo e evangelista João apresentou de Deus, fruto de sua longa caminhada de fé: “Deus é amor”. Se Saramago ou qualquer pessoa me pedisse explicações sobre essa afirmação, me sentiria tentado a escrever um livro ou, então, a repetir o que Teresa de Calcutá disse a um repórter que lhe perguntou o que é rezar. Ela lhe disse: “É falar com Deus”. Quando o repórter lhe perguntou: “E o que Ele lhe diz, quando a senhora fala com Ele?” Ela lhe respondeu: “Ele não me fala; Ele me escuta. E se o senhor não for capaz de entender isso, nem eu serei capaz de lhe explicar”.

Também não saberei explicar quem é Deus. Sei, apenas, que não saberia viver sem Ele. Encontro-o na Igreja, na Bíblia, no próximo, na alegria e na dor. E, simplesmente, o amo. Sei que Ele me amou por primeiro. Como diria Santo Anselmo: “Eu creio para compreender”...