sábado, 4 de junho de 2011

Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho

“E quem desconhece a história, como se sabe, é condenado a repeti-la.”
Goethe

"Anistia-se a quem cometeu alguma falta. Eu não posso ser anistiado pelo crime que evitei."
Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho

"Juscelino sabia que todos aqueles majores, coronéis e generais que usurparam o poder sufocando a democracia, ao contrário dele, sairiam na urina da História."
Vitório Cabral, relatando o contato que teve com o ex-presidente logo após este deixar a prisão em 1968

"Foi a admirável ação de um simples capitão, verdadeiramente inspirado por Deus, que evitou outros rumos para a história do Brasil."
Brigadeiro Eduardo Gomes, em carta dirigida ao ditador Ernesto Geisel no dia 20 de maio de 1974

"O capitão Sérgio tem o mérito de haver-se oposto ao plano diabólico e hediondo do brigadeiro João Paulo Penido Burnier, que, em síntese, se consumaria através da execução de atos de terrorismo."
Brigadeiro Eduardo Gomes, na mesma carta citada acima.

A História

No dia 4 de abril de 1968, o capitão pára-quedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, aos 37 anos, com 6 mil horas de vôo, novecentos saltos em missão e "quatro medalhas de sangue em tempos de paz" por seu trabalho nas selvas, salvando índios e pacificando tribos, admirado pelos irmãos Vilas-Boas, pelo médico Noel Nutels, pelo antropólogo Darcy Ribeiro, amigo de caciques como Rani, Kremure, Kretire, Megaron e Krumari, que o conheciam como "nambiguá caraíba" (homem branco amigo), não estava no Rio de Janeiro.

Neste dia, o Para-Sar, do qual foi um dos fundadores, recebeu a missão de reprimir uma passeata. O comandante da esquadrilha, major Gil Lessa de Carvalho, deu a ordem: "Tomem conta principalmente das janelas, para ver quem atira coisas contra a polícia. Caso descubram alguém, invadam o local e liquidem quem estiver lá. A fuga de vocês estará coberta."

Apenas uma invasão teve efeito, quando um saco plástico com água foi atirado do edifício de número 13 da avenida 13 de Maio. Os pára-quedistas subiram de elevador, acompanhados de homens do DOPS, e tentaram interditar um andar, justamente onde funcionava o Conselho Nacional de Petróleo. Os oficiais-generais e coronéis que ali trabalhavam expulsaram o grupo.

De posse destas informações, o capitão Sérgio dirigiu-se ao brigadeiro Labarthe Lebre, comandante da Escola de Aeronáutica do Campo dos Afonsos, manifestando suas preocupações com o envolvimento do Para-Sar em operações ilegais. Lebre recomendou ao subordinado que não desse importância ao caso.

Tempos depois, o capitão Sérgio recebia uma mensagem de rádio, cifrada, do brigadeiro Burnier, convocando-o para uma reunião. No dia 12 de junho, Sérgio era recebido no gabinete do ministro da Aeronáutica por Burnier e pelo brigadeiro Hipólito da Costa, recém-chegado da Zona do Canal do Panamá.

Burnier disse para seu colega: "Brigadeiro, o capitão Sérgio continua fazendo comentários, doutrinando contra o emprego, por nós previsto, para o Para-Sar".

E para o capitão: "O senhor tem quatro medalhas por bravura, não tem? Pois a quinta, quem vai colocar no seu peito sou eu. Capitão, se o gasômetro da avenida Brasil explodir às seis horas da tarde, quantas pessoas morrem?"

Sérgio quis ainda acreditar que a pergunta se referia à hipótese de um acidente e respondeu: "Nessa hora de movimento, umas 100 mil pessoas".

O brigadeiro Burnier então comentou: "É, vale a pena para livrar o Brasil do comunismo."

De repente, como num pesadelo, o horror ia ganhando forma. O plano previa várias missões, uma das quais seria o seqüestro de quarenta personalidades, a serem lançadas ao mar. E cinco já estavam até escaladas: Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, D. Hélder Câmara e o general Olympio Mourão Filho. As outras seriam anunciadas verbalmente, de cinco em cinco.

A primeira parte do plano programaria "pequenos incidentes", já que a escalada terrorista deveria ser gradativa: cargas na porta da Sears, do Citibank, da embaixada americana, com pequeno número de mortes. E num dia X, o clímax do processo: as explosões do gasômetro e de Ribeirão das Lajes, no mesmo instante, comandadas por controle remoto.

As cargas, de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sérgio, que ficaria de stand by no Campo dos Afonsos. Quando aparecesse o clarão da direita, o do gasômetro, decolariam com helicópteros e aportariam no local da tragédia para dar socorro aos milhares de feridos e mortos.
Como o ato seria atribuído aos comunistas, o capitão Sérgio, comandando a equipe de socorro e resgate, surgiria naturalmente como herói. Um herói capaz de receber sua quinta medalha.

O capitão tentou argumentar: "Nós temos um governo militar, o presidente é o marechal Costa e Silva..."

"Bosta e Silva", corrigiu o brigadeiro, já incontrolável, e continuou: "O momento histórico é esse, Sérgio. Os americanos dominam o Atlântico Sul e os comunistas não têm fronteiras de apoio... O Sérgio, eu e o Hipólito vamos pilotar um C-47 cheio dessa canalha comunista, o Chico Teixeira, o Malta, o Anísio, o Fortunato, e vamos empurrar todos com o pé na bunda pra dentro d'áqua. Eu quero saber mesmo é se você vai buscar os caras onde eles estiverem."

Sérgio estava disposto a não deixar dúvidas e a encerrar a sessão: "Não, brigadeiro, eu acho que os senhores não estão falando a sério. O que torna uma missão legal e moral não é a presença de dois oficiais-generais à frente dela, o que a torna legal é a natureza da missão."

"Agora, chega de papo", encerrou Burnier, " e depois de amanhã eu quero todos aqui dentro."

Sérgio levou um susto, porque até então a conversa era mais ou menos privada e perguntou: "Todos, como, brigadeiro? Os cabos e sargentos também?".

"Todos do Para-Sar: cabos, sargentos, oficiais e, se tiver cachorro naquela merda, traga também.", respondeu o brigadeiro.

Na reunião realizada no dia 14 de junho, no 11º andar do prédio do então Ministério da Aeronáutica, na avenida Churchill, centro do Rio, estavam mais de quarenta pessoas, guardadas por uma dezena de soldados armados de metralhadoras, para ouvir a exposição do brigadeiro Burnier, que respondia pela chefia do Gabinete do ministro da Aeronáutica. Nela, foram informadas quais seriam as novas tarefas do Para-Sar:

1. No caso de uma guerra, ante a necessidade de resgatar um companheiro ou um prisioneiro, a exemplo do que faz o Sar dos EUA no Vietnã, o Para-Sar pode matar para cumprir sua missão.

2. No caso de uma guerra civil contra revolucionários compatriotas, estes tem que ser eliminados pelos homens do Para-Sar.

3. No caso de paz, mas em agitações de rua, o Para-Sar também deverá desempenhar a mesma missão.

E o brigadeiro continuou: "Para cumprir missões de morte na guerra, é preciso matar na paz. Matar com sangue-frio, sem que a mão trema, como aconteceu com os companheiros do Exército, os pára-quedistas. Figuras políticas como Carlos Lacerda, esse canalha, que alguns pensam que é meu amigo, já deveriam estar mortas, se não fosse a mão dos pára-quedistas ter tremido; eles se perderam em considerações se a ordem era certa ou errada. Ordens desta natureza não comportam perguntas nem dúvidas, cumprem-se e não se fazem comentários posteriores. Elementos indesejáveis serão lançados de navio, ou avião, a quarenta quilômetros da costa."

Ao final da explanação, o brigadeiro dirigiu-se a alguns oficiais:

_ Concorda comigo, major?

_ Sim senhor _ respondeu o comandante da esquadrilha, major Gil Lessa de Carvalho.

_ E o senhor, capitão Guaranys?

_ Sim, senhor _ disse o capitão Roberto Camara Lima Ipiranga dos Guaranys.

A mesma pergunta, seguida das mesmas respostas, foi feita ainda ao capitão Loris Areais Cordovil e ao tentente João Batista Magalhães.

_ E o senhor, capitão Sérgio?

_ Com as duas primeira hipóteses, concordo. Mas não concordo com a terceira, que considero imoral, inadmissível a um militar de carreira. Enquanto eu estiver vivo isso não acontecerá neste país.

_ Não se estenda em considerações _ berrou o brigadeiro. _ Cale a boca!

_ Não me calo e o ministro será sabedor desses fatos _ revidou no mesmo tom o capitão.

No dia seguinte, o capitão Sérgio procurou o brigadeiro Délio Jardim de Matos, de quem tinha sido assessor durante cinco anos.

_ Isso é tão grave _ impressionou-se o brigadeiro _ que só um homem pode segurar esse abacaxi: O velho Eduardo Gomes.

Eduardo Gomes aconselhou o major-brigadeiro Itamar Rocha, então diretor-geral de Rotas Aéreas do Ministério da Aeronáutica, a iniciar uma sindicância.

O que se seguiu a isso foi a exoneração do major-brigadeiro Itamar Rocha, seguida de sua prisão domiciliar por dois dias. O capitão Sérgio foi punido logo com uma transferência para o Recife, julgado e absolvido pelo Superior Tribunal Militar, reformado pela Junta Militar em setembro de 1969.

O capitão poderia ter sido anistiado, mas recusou a anistia. "Anistia-se a quem cometeu alguma falta", costumava dizer. "Eu não posso ser anistiado pelo crime que evitei."

No dia 20 de maio de 1974, em longa e comovida carta ao então presidente Ernesto Geisel, o brigadeiro Eduardo Gomes historiou o episódio e solicitou "a devida reparação da imensa injustiça", declarando-se "pessoalmente atingido pelo que foi feito contre esse digno oficial, a quem sempre emprestei o meu inteiro apoio moral". Depois de lembrar a unânime absolvição de Sérgio no STM, "no processo iníquo que lhe foi movido por seus algozes", o brigadeiro escreveu: "Não posso mais arrastar comigo o peso dessa injustiça que me oprime o cansado coração". O Patrono da Força Aérea Brasileira e Ministro da Aeronáutica por duas vezes, no Governo Café Filho (24 agosto de 1954 a 11 novembro de 1955) e no Governo Castelo Branco (11 de janeiro de 1965 a 15 março de 1967), morreu em 1981 sem que o aliviassem do "peso desta injustiça".

Perseguido e discriminado, Sérgio teve que viver, durante anos, da solidariedade moral e material de alguns amigos. Em 1970, necessitando de um tratamento de coluna, foi aconselhado a não se internar em hospital militar. Um médico da Aeronáutica avisou Eduardo Gomes: "A vida de Sérgio, se ele entrar em um hospital militar de qualquer das três armas, não vale dez centavos". Graças ao Jornalista Darwin Brandão, com o auxílio do médico Sérgio Carneiro, o oficial acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto. Um outro amigo, ex-capitão da Marinha e empresário, Cao Braga, ajudou-o com 3 mil dólares.

Em 1978, o brigadeiro Burnier desmentiu todo o plano: "Tanto era fantasia desse rapza doente, revoltado, de mente doentia, que não fui punido. Eles sim é que sofreram punições disciplinares, foram presos e separados para ver se paravam com a campanha". Essa tese, juridicamente absurda, tenta demonstrar que, se não houve punição, é porque não hove crime. A impunidade deixaria assim de ser agravante para ser abolvição.

Em 1998, ao prestar depoimento para o jornalista Zuenir Ventura, o ex-ministro da Aeronáutica Márcio de Souza Mello não deu a menor importância ao episódio: "O senhor conhece esse rapaz? Ele, sim, é que tinha esse plano". Mesmo quando se alega o testemunho de 37 cabos e sargentos do próprio Para-Sar, o brigadeiro tem um argumento definitivo para quem está acostumado a hierarquizar o mundo, as coisas e até o valor das palavras de acordo com as patentes: "É a palavra de cabos e sargentos contra a palavra de oficiais".

O arquivo de um dos episódios mais sombrios do regime militar virou cinzas. Em resposta a uma solicitação do GLOBO sobre o “Caso Para-Sar”, episódio em que o então capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho se opôs em 1968 a um plano do brigadeiro João Paulo Burnier de explodir o gasômetro do Rio de Janeiro e a represa de Ribeirão das Lajes e culpar terroristas pela ação, o Comando Aeronáutica informou os arquivos de época, guardados nas instalações da Força Aérea no Aeroporto Santos Dumont, foram destruídos no incêndio ocorrido em fevereiro 1998.

Em 2000, aos 90 anos, faleceu o brigadeiro Burnier, que após ser transferido para a reserva em 1974, fundou neste mesmo ano junto com outros militares a Xtal do Brasil, empresa voltada para a industrialização e comercialização do cristal de quartzo e posteriormente fabricação de fibra ótica, que manteve estreitos laços com o CPqD e a Telebrás.

Em 2004, trinta e seis anos depois, a Aeronáutica afirmou que as denúncias de Sérgio Macaco sobre os planos de Burnier eram infundadas. “Uma sindicância e três inquéritos policiais militares foram instaurados e concluíram que as denúncias não tinham o menor fundamento e não passavam de ilações despropositadas do capitão Sérgio”, alegou o brigadeiro-do-ar Antonio Guilherme Telles Ribeiro, então chefe do Centro de Comunicação da Aeronáutica (Ceconsaer).

O capitão Sérgio só teve os seus direitos reconhecidos cinco dias após a sua morte, em 1994, quando uma decisão judicial o promoveu a brigadeiro. A Aeronáutica, porém, nunca mudou o seu ponto de vista sobre o militar: “Em virtude de seu comportamento recorrente de insubordinação e de suas constantes tentativas de desestabilização da tropa, foi instaurado um processo de investigação sumária que concluiu pela reforma do capitão-intendente Sérgio Miranda de Carvalho, proposta que foi aceita e aprovada pela Junta Militar”, disse o chefe do Ceconsaer.

Bibliografia:

VENTURA, Zuenir. 1998: O ano que não terminou. São Paulo: Planeta, 2008.

Arquivologia UFBA
Disponível em: http://www.mail-archive.com/arquivologia-l@listas.ufba.br/msg00043.html
Visitado em: 24 de maio de 2008

Os Anos JK - FGV CPDOC
Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/biografias/Joao_Paulo_Burnier.asp
Visitado em: 24 de maio de 2008

Eduardo Gomes - Wikipédia, a enciclopédia livre
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_gomes
Visitado em: 24 de maio de 2008

Inovação - Unicamp
Disponível em: http://www.inovacao.unicamp.br/report/news-40anos-smolka.shtml
Visitado em: 24 de maio de 2008

Um comentário:

  1. EU ACREDITO NAS PALAVRAS DO NOSSO HERÓI CAP. SÉRGIO MACACO. A FAB É QUEM INSISTE EM NÃO RECONHECER! FIZ PARTE DO PARASAR ANOS DEPOIS, E SEMPRE ADMIREI ESSE GRANDE HOMEM. QUE DEUS GUARDE A MENTE E OS CORAÇÕES E ABENÇOE OS HOMENS JUSTOS! PARABENIZO A NOSSA PRESIDENTA DILMA, PELA COMISSÃO DA VERDADE. ENTENDO QUE MILITARES DIGNOS QUE VESTEM UMA FARDA, PODEM ATÉ PRENDER SEUS COMPATRIOTAS, MAIS JAMAIS TORTURAR E MUITO MENOS MATAR! JORGE EDUARDO MORAES SILVA

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