sábado, 29 de agosto de 2009

O Menor Infrator

Este artigo de Antonio Jurandir Pinoti foi publicado em 04 de março de 2002 e permanece atual, valendo a pena ler.
Extraído de Usina de Letras.


Uns dos problemas mais graves que todos os povos enfrentam é o referente a atos violentos cometidos por menores. No Brasil, como se sabe, adota-se para efeito de imputabilidade penal o critério biológico, pelo qual os menores de l8 anos são penalmente inimputáveis (art. 228 da Constituição e art. 27 do Código Penal).

Inconformadas com o recrudescimento da delinquência juvenil, vozes se levantam aqui e ali tentando achar a solução e quase sempre desembocam na simplista e falsa assertiva de que esta seria o rebaixamento da maioridade penal.

Argumenta-se, quase sempre, que o maior de l6 anos pode votar e que por isso deve ser julgado com base no Código Penal. Afirma-se, ainda, que na Alemanha uma pessoa de l2 anos de idade pode até ser condenada à prisão perpétua. Porém, o Brasil não é a Alemanha e votar aos l6 anos é uma mera faculdade concedida aos menores e não uma obrigatoriedade sujeita a sanções.

Concebidos e mal gerados em ventres destruídos pela fome e miséria, o que podemos esperar desses infelizes que perambulam pelas ruas com os olhos esbugalhados fixos nos relógios e nos skates das crianças mais abastadas da sociedade?

O mundo sempre foi dividido entre pobres e ricos. Mas em sociedades com uma distribuição de renda perversa como a brasileira, o povo cada vez mais se divide entre ricos e miseráveis. Aos primeiros a delinquência juvenil é caso de psicólogo, aos segundos é caso de polícia. Para os primeiros existem as escolas particulares equipadas com os mais modernos métodos de ensino; para os segundos _ e isso quando conseguem ir à escola _ resta o infortúnio do ensino público arrasado por décadas de ditadura e prepotência, a quem a ignorância da população sempre conveio.

Os arrastões de hoje, como a onda de sequestros que ensejaram o surgimento da defeituosa Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), prendem a atenção das pessoas. A sociedade, iludida por paladinos da moralidade e do bem-estar social, fecha os olhos para a miséria, a fome, o desemprego, e num rasgo de impingida hipocrisia não é capaz de enxergar que o endurecimento penal, longe de ser tão só a panacéia que a ilude, é o sinal verde para a violência institucional.

O adolescente desvalido, o miserável, o negro mal vestido , o desafortunado ser humano que, uma vez "suspeitos", quando não são mortos sumariamente pela polícia e já cadáveres (sim, cadáveres!) levados para os hospitais da periferia, são atirados aos cárceres promíscuos das Febens e Casas de Detenção da vida.

A delinquência juvenil é um problema sério. Mais grave, contudo, é rebaixar a maioridade penal para l6, l4, l5, ou sei lá quantos anos. O Estado está aparelhado para emitir um laudo científico isento e transparente que comprove que um menor de l8 anos era capaz de entender o caráter delituoso do seu ato? A sociedade já se esqueceu dos laudos emitidos nos casos Herzog e Rio Centro? E os adolescentes ricos que cometerem atos de selvageria? Não serão por acaso assistidos por peritos nomeados pelas famílias que podem arcar com as despesas advindas de serviços de psicólogos e psiquiatras? Esses peritos darão parecer contrário aos interesses de quem os indicou?

O critério biológico adotado historicamente pela legislação brasileira não é perfeito. Ele dá, porém, a frágil segurança de que, desgraçados na maioria e ricos na minoria, pelo menos em tese todos menores infratores recebem o mesmo tratamento legal.

No meu entender o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), à míngua de legislação mais moderna, prevê as medidas repressivas à delinquência do menor. O quê até hoje pouco se viu foi a correta e justa obediência ao estatuto, notadamente no que concerne às entidades destinadas à internação dos menores infratores.

Os motins ocorridos recentemente na Febem ilustra minhas palavras.

Antonio Jurandir Pinoti, é formado em Direito pela USP (1974 a 1978), com pós-graduação na USP (1986 a 1987). Trabalhou no Banco do Brasil como advogado no período de 1971 a 1981. De 1982 a 1998, foi juiz de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, titular da Vara Especial da Infancia e da Juventude de São Paulo. É membro da Associação Juízes para a Democracia. Hoje está aposentado e mora em São Paulo/SP.
ajpinoti[arroba]uol.com.br

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